JANEIRO DE 2015
– FOLHA DE S.PAULO - OPINIÃO
ROGÉRIO
CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
TENDÊNCIAS/DEBATES
Produção
científica e lixo acadêmico no Brasil
A
resistência dos medíocres e a falta de coragem
política das autoridades impedem o crescimento da
ciência de alta qualidade no nosso país
Dois
artigos publicados recentemente pela revista britânica
"Nature", especializada em ciência, deixam o Brasil e, em
especial, a comunidade acadêmica brasileira, profundamente
envergonhados.
A
"Nature" nos acusa, em primeiro lugar, de produzir mais lixo
do que conhecimento em ciência. Nas revistas mais severas
quanto à qualidade de ciência, selecionadas como de
excelência pelo periódico, cientistas brasileiros preenchem
apenas 1% das publicações.
Quando
se incluem revistas menos qualificadas, porém, ainda
incluídas dentre as indexadas, o Brasil se responsabiliza
por 2,5%. O que a "Nature" generosamente omite são as
publicações em revistas não indexadas, que contêm número
significativo de publicações brasileiras, um verdadeiro lixo
acadêmico.
O
segundo golpe humilhante para a ciência brasileira exposto
pela revista se refere à eficiência no uso de recursos
aplicados à pesquisa. Dentre 53 países analisados, o Brasil
está em 50º lugar. Melhor apenas que Egito, Turquia e
Malásia.
Tomemos
um exemplo. O Brasil publicou 670 artigos em revistas de
grande prestígio, enquanto no mesmo período o Chile publicou
717, nessas mesmas revistas. O dado profundamente
inquietante é que enquanto o Brasil despendeu em ciência US$
30 bilhões, o Chile gastou apenas US$ 2 bilhões.
Quer
dizer, o Chile, que aliás não está entre os primeiros em
eficiência no mundo científico, é 15 vezes mais eficiente
que o Brasil. Alguma coisa está errada, profundamente
errada. A academia brasileira, isto é, universidades e
institutos de pesquisas produzem mais pesquisa de baixa do
que de boa qualidade e as produz a custos muito elevados. Há
certamente causas, talvez muitas, para essa inadequação.
A
primeira decorre de um "distributivismo" demagógico. É
evidente que seria desejável que novos centros de pesquisas
se desenvolvessem em regiões ainda não desenvolvidas do
país. Mas é um erro crasso esperar que uma atividade de
pesquisas qualquer venha a desenvolver economicamente uma
região sem cultura adequada para conviver com essa pesquisa.
Seria
desejável que investimentos maciços fossem aplicados em
pesquisas em instituições localizadas em regiões pouco
desenvolvidas, mas cujo meio ambiente é capaz de absorver os
benefícios dessa inserção.
O
segundo mal que é causa inquestionável da diminuta e
dispendiosa produção de conhecimento é o obsoleto regime de
trabalho que regula a mão de obra do setor de pesquisas em
universidades públicas e na maioria dos institutos.
O
pesquisador faz um concurso --frequentemente falsificado--
no começo de sua carreira. Torna-se vitalício. Quase sempre
não precisa trabalhar para ter aumento de salário e galgar
postos em sua carreira. Ora, qual seria, então, a motivação
para fazer pesquisas?
O
terceiro problema é o sistema de gestão de universidades
públicas e instituições de pesquisa, cuja burocracia soterra
qualquer iniciativa dos poucos bem-intencionados professores
e pesquisadores que ainda não esmoreceram.
Pois
bem. Há uma fórmula que evita todos esses males e que já foi
experimentada com sucesso em algumas das instituições
científicas do Brasil: a organização social. A resistência
dos medíocres e parasitas e a falta de coragem política de
algumas de nossas autoridades impedem a solução desse
problema.