FONTE: www.empregos.com.br/ - Por Vanderlei Abreu de Paulo e Carolina Cruz*
Muito mais que ruídos na comunicação interna, funciona como uma saída dos funcionários para suprir sua necessidade de informação
A compra ou a venda de uma empresa, a transferência de sede, a troca de presidente, o lançamento de novo produto e/ou marca, a retirada do mercado de uma marca, demissões, contratações, mudanças na política de benefícios... Enfim, praticamente tudo que envolve a organização está sujeito, se não informado corretamente, a fazer parte das conversas de corredores, dos murmurinhos na fábrica ou simplesmente ser incluída na pauta do cafezinho.
Fofoca, rádio-peão, rádio-corredor e vários outros termos que surgiram ao longo do tempo e com a preocupação das empresas em aprimorar os processos de comunicação interna.
Segundo o jornalista e consultor em Comunicação, Gaudêncio Torquato, “o rumor atende ao que chamamos a uma condição natural do ser humano de querer saber o que está acontecendo e procurar meios para sua segurança”. Torquato afirma que esses rumores obedecem ao que pode ser chamado de uma teia ou uma cadeia sociológica de núcleos, e as pessoas passam nessa cadeia seus sentimentos, angústias, alegrias, frustrações, raivas, juntando todo um acervo sentimental que é codificado e decodificado por essa cadeia sociológica de “grupinhos”, a ponto de a verdade inicial estar na letra A e a versão final estar na letra Z.
Outro especialista em comunicação, o também jornalista e presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), Paulo Nassar, afirma que a fofoca e a rádio-peão são produzidas por organizações ditadoras, que "ditam" informações o tempo inteiro para os seus integrantes, de cima para baixo, sem nenhuma preocupação em saber se elas estão sendo entendidas e aceitas pelas pessoas. “É a dominação do ‘manda quem pode, obedece quem tem juízo’", critica. Para ele, num ambiente em que predominam ordens, a defesa psicológica e social das pessoas se dá pela rádio-peão e até pela fofoca.
“O tempo inteiro, a empresa e seus líderes parecem afirmar, pela comunicação oficial, que o público interno não tem nenhuma importância, então essa comunicação informal é a vingança dos empregados que não têm as suas opiniões valorizadas”.
A origem do termo rádio-peão vem do início das movimentações sindicais no final da década de 70, especialmente na região do ABC. Gaudêncio Torquato explica que o vocábulo mostra a intrínseca relação do pessoal de chão de fábrica, antenado com a sociedade. “Assim como existe uma rádio da empresa, normativa, a rádio dos memorandos, das ordens, dos relatórios, a rádio-peão é o veículo da ‘peãozada’ que, aliás, tem uma audiência muito maior e mais efetiva”.
Torquato recomenda às lideranças de RH considerar a existência de lideres informais na empresa. “Essas lideranças informais têm um poder de fogo maior do que as formais. É preciso que elas sejam consideradas principalmente na articulação de uma rede de comunicação interna. Ao trabalhar apenas com as chefias organizadas, sem considerar a rede informal da organização, você está fadado ao insucesso”, adverte.
Identificar, da maneira mais equilibrada e suave possível, essas lideranças informais, é a primeira missão do RH. “Depois, é preciso procurar convencer, com poder de síntese, carisma, sem enganação, de que a empresa tem boa vontade diante dos problemas, mostrar as dificuldades que a organização está passando e chamar o ator informal a integrar esse esforço. Até porque hoje, no mundo do trabalho, a palavra parceria é fundamental”, recomenda.
Ações de combate
Você pode imaginar um empregado de fábrica mandar uma correspondência para o presidente da companhia, perguntando a respeito da política de RH que o preteriu em uma promoção, e receber uma resposta do próprio presidente explicando a posição do Recursos Humanos neste caso? Pois é assim que a Nestlé, uma empresa com mais de 15 mil funcionários, combate as interferências na comunicação interna, com uma informação rápida, direta e de duas vias. “Um funcionário descontente pode envenenar o ambiente de trabalho, falando para os outros que não confia na política de RH, então, antes que isso acontecesse, a gente interviu”, explica Francisco Carlos Garcia, gerente executivo de Assuntos Corporativos.
O grande trunfo da empresa contra a rádio-corredor é uma ferramenta chamada “O Presidente e Você”, um boletim semanal, distribuído a todos os funcionários, tratando dos assuntos mais importantes da organização. “Nós contamos com a pessoa da mais alta credibilidade, que é o presidente, para se antecipar aos anseios dos empregados. Antes que uma notícia comece a circular nos corredores, nós já tratamos no boletim”, destaca Garcia.
Desde 2001, quando Ivan Zurita assumiu a presidência da Nestlé, o boletim se instituiu como o principal meio de comunicação, permitindo também que os funcionários se comunicassem e tirassem suas dúvidas. “Quando diminui o nível de contato, ele relembra os funcionários que devem usar este canal”, assegura Garcia.
O tamanho da empresa também é um grande problema quando se pensa em comunicação. Em função disso, as informações ficam restritas à matriz, trazendo para as fábricas e unidades um caldeirão de informações extra-oficiais. E só a tecnologia não é suficiente. Dos 15 mil funcionários da Nestlé, só 4 mil têm acesso as informações da Intranet, o restante tem outros meios para se informar. “Qualquer modo de informar é válido, mural, boletim, faixa, alto-falante, qualquer coisa”, brinca Garcia. “O importante é a empresa ter consciência de que a informação precisa ser passada, que veículo utilizar é apenas uma conseqüência”.
Eliminar os feudos que concentram a informação por meio da democratização é outra ação que coíbe o surgimento da fofoca na organização. “Ter uma comunidade voltada para concentrar a informação, com a política do “conta-gotas”, é natural que cresça o processo de desinformação, gerando uma reação em cadeia, e um funcionário desinformado tende a duvidar mais e a não crer em certas coisas”, ressalta o executivo.
A desinformação ganha mais vulto em momentos de crise, uma ação rápida e transparente tem se mostrado bastante eficiente. Em 2001, quando houve um incêndio no Centro de Distribuição da Nestlé, em São Bernardo do Campo, além de comunicar todos os funcionários e a imprensa, a empresa também disponibilizou uma linha telefônica para que os familiares pudessem obter informações dos funcionários. “Hoje, a comunicação é uma ferramenta importantíssima de gestão e a informação tem que ser passada para todos, de forma rápida e transparente”, enfatiza Garcia.
Quando, no ano passado, a American Express anunciou que iria adquirir os 50% do capital restante do Banco Inter American Express, sabia que isso traria uma grande curiosidade para os funcionários. “Por que a empresa comprou o banco?” e “O que isto reflete no meu trabalho?”, eram as perguntas mais comuns que, se não respondidas clara e rapidamente, poderiam acarretar uma avalanche de informações “extra-oficiais”.
Mas a administradora de cartões de crédito já sabia como lidar com isso. Em 98, a empresa passou por outra situação delicada com a transferência do Centro de Operações para Uberlândia (MG). A solução encontrada para evitar a insegurança e a fofoca que isto naturalmente geraria foi uma só: comunicação ostensiva.
“Todos os 600 funcionários envolvidos nesta transferência foram informados, tanto os que receberiam oferta de transferência quando os que estariam no plano de desligamento”, lembra Salvador Evangelista, vice-presidente de RH. O resultado foi tão satisfatório que até mesmo os funcionários que foram desligados deram um feedback positivo, agradecendo a maneira respeitosa com que foram tratados. A empresa aprendeu que, em caso de crise, quando mais rápido a informação circular, menos tempo terá a comunicação informal para se manifestar.
É por isso que a comunicação interna é um assunto de extrema importância para a Amex, que também vê nela uma eficiente ferramenta para a motivação dos funcionários. “É por meio dela que os funcionários ficam sabendo dos passos da companhia e qual o grau de contribuição de cada um para se atingir os resultados esperados”, afirma Evangelista. “Mas isso só tem resultado se for uma via de mão dupla”, ressalta. Dentro desta política, a prática de comunicação, além de privilegiar os canais tradicionais e unilaterais, como jornal interno e mural, também pratica reuniões mensais, com supervisores, e trimestrais, com todos funcionários, o que permite não só comunicar as estratégias da empresa como também ouvir os funcionários sobre suas expectativas, suas sugestões e reclamações.
Este é o ponto chave para a empresa combater a fofoca e a comunicação informal: ouvir os funcionários sempre. “A toda reunião, em qualquer momento, há sempre um espaço para que nossos colaboradores se expressem”, acrescenta o vice-presidente. Ouvir seus problemas profissionais, as críticas dos clientes e até falar das soluções encontradas é o que faz Ouvidoria da companhia. É possível também trocar informações por meio de cafés da manhã com vice-presidentes para discutir assuntos específicos e relevantes.
É claro que os canais tecnológicos de comunicação são amplamente explorados pela administradora, mas para Evangelista não basta enviar um e-mail e achar que a responsabilidade com a comunicação está encerrada. “Nenhuma comunicação eletrônica, por mais dinâmica que seja, não vai substituir o impacto que o contato pessoal traz”. Mas se a fofoca é realmente uma prática tão comum nas empresas e combatê-la exige uma disciplina de comunicação rápida e constante, será que as empresas não podem utilizá-la a seu favor? “Eu nunca faria isso, pois demonstra uma falha no processo de comunicação da empresa”, critica Evangelista. “A empresa não pode abrir mão que um papel que é só dela para recorrer a um canal informal”.
Reconhecida por sua eficiência no tratamento da comunicação empresarial, tornando-se “benchmark” nacional, a Rhodia também se confronta com os problemas da comunicação extra-oficial. “A existência da rádio-corredor significa prejuízos incalculáveis para a organização, acarretando a perda de interesse do trabalhador e desmotivação, pois dão mais atenção à fofoca do que ao trabalho”, pontua Osni Lima, diretor de RH da multinacional francesa.
A solução para combater a fofoca parece simples: ser mais rápido do que ela, mas não é uma tarefa fácil. “Por incrível que pareça a fofoca tem muita credibilidade”, lamenta Lima. Além de recorrer aos canais tradicionais de comunicação interna, o executivo aconselha que a empresa utilize suas lideranças para invalidar a informação que percorre os corredores da organização.
Por isso, as lideranças têm um papel fundamental para transmitir as informações oficiais a todos os níveis organizacionais. “É por meio das gerências que a informação chegará aos funcionários do jeito que queremos, criando um canal de confiabilidade”, acredita Lima. Para isso, é preciso que a organização conscientize seus líderes da importância de se comunicar constantemente, impedindo que a informação fique concentrada nos níveis superiores.
A falta de habilidade em lidar com informações confidenciais é uma das principais razões do surgimento da fofoca. “Quanto mais pessoas estiverem envolvidas, maiores as chances de haver algum tipo de vazamento e chegar até os corredores, com grande tendência a distorcer os fatos“, ressalta o diretor. “É como um vírus, ou você combate no início ou ele ganha maiores proporções. Você não pode ignorá-lo, deve aprender a conviver com ele. Na Rhodia aprendemos a tratar as informações confidenciais a um número restrito de pessoas e, quando envolver mais pessoas, procuramos antecipar as informações a todos os funcionários em geral”.
Outra empresa multinacional que também procura fazer as informações fluírem por meio das lideranças é a Newell Rubbermaid, fabricante de utensílios domésticos das marcas Panex, Clock e Penedo. Segundo Mônica Santini Biajo, coordenadora de Desenvolvimento de Pessoal, a área de RH promove mensalmente reuniões com os supervisores para discutir assuntos como produção, produtividade, qualidade, sugestões de melhorias. “É uma oportunidade da empresa quebrar esses ruídos que aparecem de uma forma mais direta”, explica.
Entretanto, ela afirma que, apesar da empresa estabelecer uma linha aberta e direta de comunicação, existem dificuldades para que os supervisores criem o hábito de se comunicar freqüentemente. “Temos que trabalhar constantemente para mostrar o quanto é importante para a empresa expor as dificuldades, para que a comunicação ocorra de maneira equilibrada, trazendo noticias de cima para baixo e levando noticias de baixo para cima”.
Localizada em um bairro entre duas das maiores montadoras de veículos da região do ABC, a DaimlerChrysler e a Scania, onde o movimento sindical é constante, a Newell Rubbermaid conseguiu estabelecer uma relação de comunicação fluente com o Sindicato dos Metalúrgicos. Hoje a entidade mantém uma sala dentro da fábrica, em São Bernardo do Campo, para dar atendimento aos filiados, e graças a essa ação, “a confiança dos funcionários na empresa aumentou muito”, atesta Mônica. “Eles fazem parte do nosso processo de comunicação, pois quando a informação vem do sindicato, o trabalhador já vê de outra maneira, tem o crivo do sindicato. É uma coisa integrada. A empresa, a comissão sindical, os trabalhadores a direção da empresa”.
Colaboração
Outro exemplo de relação sadia entre trabalhadores e patrões está no setor de prestação de serviços. Apesar de defenderem interesses completamente distintos, o Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros no Estado de São Paulo (Sindeprestem) e o Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros no Estado de São Paulo (Sindeepres) têm procurado manter o diálogo entre as duas entidades, procurando reduzir os ruídos de comunicação.
Segundo Hideo Sonohara, diretor do Sindeepres, às vezes pode acontecer de circular informações desencontradas, de acordo com os interesses de cada segmento da empresa, mais ou menos organizada. “Quando existe qualquer tipo de boato que eventualmente pode gerar descontentamentos para as duas partes, tanto o sindicato laboral como o patronal tentam intervir para que essas coisas não prosperem”, esclarece.
Oscar Ferreira Lima Filho, presidente do Sindeprestem, conta que a troca de informações entre os dois sindicatos é constante. “É comum o Sindeepres nos informar sobre empresas que não estejam filiadas ao nosso sindicato, bem como nós informamos a eles sobre os trabalhadores de eventuais empresas associadas que ainda não estejam sindicalizados”.
A atuação das duas entidades chegou até ao nível político, quando ambas participaram ativamente das discussões para elaboração do projeto de Lei para regulamentar a atividade da terceirização no país.
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