Sunday, October 16, 2011

Educação corporativa precisa do envolvimento das lideranças

Fonte: Portal IDIS

4/2/2010 - A professora do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis da Universidade de São Paulo (FEA/USP) Marisa Eboli estuda a educação corporativa há mais de 10 anos. Seu currículo inclui a autoria de 2 livros sobre o tema, além de diversos artigos e capítulos em outras publicações.

Em entrevista ao portal do Investimento Social, a especialista diz que a educação corporativa pode promover internamente a inovação, o empreendedorismo e a sustentabilidade. Marisa também traz dados preliminares da Pesquisa Nacional Práticas e Resultados da Educação Corporativa 2009, estudo sob sua coordenação. E garante: "as companhias que mantiveram suas ações de educação corporativa durante a crise contaram com um alto comprometimento das lideranças."

Qual a principal mudança do conceito de educação corporativa na última década?
Marisa Eboli – Esses 10 anos marcam muito mais a consolidação do conceito e das práticas da educação corporativa no Brasil do que mudanças. Nesse processo, houve amadurecimento e evolução das experiências.


Como ocorreu esse amadurecimento?
ME – O que amadureceu bastante na concepção de educação corporativa – ou universidade corporativa – foi sua vinculação estratégica. Os programas e as ações educacionais são concebidos e desenhados para atender com sucesso a estratégia de negócio, olhando para o futuro e para fora da organização. Passa a ser central a ideia de competências críticas (ou core competence), como capacidades que a empresa tem que possuir para garantir seu sucesso no mercado. Antes, nos centros de treinamento e de desenvolvimento tradicionais das grandes companhias, os programas e ações eram desenhados a partir de necessidades individuais dos empregados em relação ao que já havia sido estabelecido como habilidades necessárias para determinado cargo.


Quais fatores levam uma empresa a adotar educação corporativa?
ME – O alinhamento estratégico e cultural é o principal fator que leva uma organização a investir na educação corporativa. Isso tem ocorrido muito nas grandes multinacionais e nas companhias brasileiras internacionalizadas. Cada uma tem a sua estratégia e, dependendo de como estiver fundamentada, pode dirigir seus interesses para a sustentabilidade, a inovação ou outros grandes temas que hoje são tendência na gestão. Isso ocorre em todos os setores. Na Pesquisa Nacional Práticas e Resultados da Educação Corporativa 2009, por mim coordenada, buscamos elementos nesse sentido. Traçamos as tendências, como o uso contínuo de tecnologias e a formação de parcerias entre empresas e também estudamos a integração entre a educação corporativa e as demais áreas da empresa.


O Pacto Global sugere a aplicação da educação corporativa visando à sustentabilidade. Vocês identificaram limites de convergência na pesquisa?
ME – Sob o ponto de vista da formação nas empresas, a sustentabilidade é uma questão recente. Na pesquisa, percebemos que ainda não há uma visão de cadeia de valor, de forma que a sustentabilidade seja parte do negócio e esteja vinculada à educação corporativa. Apenas algumas companhias que realmente utilizam os princípios de sustentabilidade como centro de sua estratégia têm a preocupação de formar lideranças para esse fim. Infelizmente, ainda não dá para dizer que a educação corporativa está sendo utilizada em sua plenitude para desenvolver a sustentabilidade nas companhias.


Como essa convergência poderia ser aplicada?
ME – Da mesma forma quando se pretende desenvolver outras competências nas organizações. Primeiro, é necessário ter a sustentabilidade como centro da estratégia. Depois, a instituição traduz quais são áreas e processos necessários, alinhando com as competências a ser desenvolvidas nos líderes e em outros profissionais; daí, são definidos os principais temas e conteúdos necessários para que ocorra o desenvolvimento dessas competências que promoverão a sustentabilidade. Por exemplo, para promover a promoção da sustentabilidade, o líder precisa ter visão de longo prazo e de impacto global, com base no conceito do Triple Bottom Line (aspectos econômico, social e ambiental).


Os programas de educação corporativa resumem-se a cursos?
ME – Não. É possível ter cursos de formação, como MBA (Master of Business Administration) e de ensino a distância, mas um dos aspectos fortes da área são as ações educacionais. Ou seja, um programa de visitas técnicas nacionais e internacionais para levantamento de informações e conhecimento in loco sobre determinado tema/ aspecto de empresas de um setor. Outro recurso é a formação de fóruns de discussão. Quanto mais fugir do formato tradicional, maior a tendência de os indivíduos aprenderem também a partir das próprias práticas. Colocar desafios ainda é a melhor estratégia educacional!


Quais são os 7 princípios para a educação corporativa, elaborados pela senhora?
ME – Os princípios são aspectos filosóficos a serem aplicados na concepção de um sistema de educação corporativa. São eles: competitividade (1), a valorização das pessoas e o uso da educação como forma de diferenciar a empresa em seu segmento; perpetuidade (2), de forma que sistema de educação transmita os valores e a herança cultural da instituição; conectividade (3), que é favorecida pela integração e interação entre as pessoas, construindo um saber coletivo, por meio de sistemas de gestão de conhecimento tanto para público interno quanto externo; disponibilidade (4), propiciando que as pessoas aprendam a qualquer hora em qualquer lugar; cidadania (5), que deve privilegiar a formação de pessoas que ajudem a construir e transformar a realidade em que vivem. Aqui, uma prática importante é a sinergia entre as iniciativas de investimento social e a educação corporativa; parcerias (6), ação conjunta com outras instituições, quando necessária, para atender à implantação do sistema (externas), e envolvimento das lideranças da organização (internas); e sustentabilidade (7), num conceito mais restrito, entendida como a sustentação do próprio sistema, com avaliação e mensuração de resultados, e a auto-sustentabilidade financeira, com o oferecimento de cursos e de certificações externas que gerem receita.


O alto custo envolvido na implantação de um sistema de educação corporativa afasta algumas empresas? 
ME – Quando decidimos fazer a pesquisa, houve coincidência com o início da crise econômica no final de 2008. Mesmo nesse cenário, tivemos o cuidado de que o estudo traduzisse a totalidade e não fosse um mero retrato influenciado pelo contexto. Diversas empresas que estudamos que já tinham um sistema mais sólido de educação corporativa, tanto dos setores industrial e de varejo. Apesar da crise, houve apenas uma super racionalização dos custos e não um corte desenfreado do programa. Isso é diferente de crises anteriores. Hoje as empresas percebem a educação corporativa como uma estratégia central para o seu sucesso.


Quais as tendências para a próxima década?
ME – Uma delas é que cada vez mais os líderes se envolvam no sistema de educação corporativa, comprometendo-se e participando diretamente do processo de desenvolvimento de suas equipes. Na pesquisa, identificamos que as companhias que mantiveram suas ações de educação corporativa contavam com esse alto comprometimento. Um desafio será ter a universidade corporativa promovendo internamente a inovação, o empreendedorismo e a sustentabilidade, além de integrá-la com as demais áreas, em especial com a de gestão de pessoas. Isso, para haver políticas e práticas muito bem sintonizadas, consolidando uma meritocracia para o desenvolvimento do indivíduo. A mensuração e avaliação de resultados são outro eterno dilema, pois as práticas ainda são muito incipientes.

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